Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cá Dentro


Por: Viviane Cabrera

Dentro de mim, um mundo de possibilidades
embarreiradas por conveniências e vaidades,
em um universo de situações tresloucadas,
sob um sol de coisas diversas e desvairadas.

Enquanto lá fora tudo necessita de controle,
mergulho em um só gole
do cálice turvo do vinho inebriante
que me mantêm cativa de uma liberdade incessante.

Liberdade essa que tenho de criar,
coisa própria de quem vive a sonhar.
Nesse faz-de-conta, perco-me em pensamentos, 
tropeço em devaneios e momentos.

No entanto, vou em frente pois não sei parar.
A cada passo, sinto o vento nos cabelos e o mar
a me dizer que estou no rumo certo
abandonando tudo o que julgava floresta, mas era deserto.

A existência pode ser leve
e o que ela proporciona é muito breve,
 só que o peso de tudo que implica vida, não.
Esse é o motivo da minha constante aflição.

Quero expandir-me em outras tantas
que já não saberia mais quantas
seria eu em meio a tudo,
revelando-me sob a forma de um amor pela vida crônico e agudo.

Na lágrima que escorre
deixo claro que algo morre.
Profundo, denso. Esse turbilhão cá dentro instalado,
há de ser meu castigo deliberado.







terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Via de Mão Única

Por: Viviane Cabrera





É em datas festivas como o Natal que o coração aperta. Ironia, não? Deveria eu estar alegre, celebrando de alguma maneira o que me sobra. Mas a verdade é que não sei viver de restos. Não me contento com pouco. Quero mais. Quero ele, teimosia que povoa meus anseios.

Consciente de que nem sempre as vontades são passíveis de serem concretizadas, aceito o destino de me manter longe e em silêncio. De nada adiantaria estar por perto e manifestando-me nos mais bonitos e envolventes dizeres se só tem significado para uma única pessoa.

Na quietude, concentro-me na plenitude do indizível. O silêncio cozinha em fogo lento as lembranças do cheiro, do gosto daquele homem, no caldeirão metafísico do querer. Sei bem que esse prato vazio há de ficar como está. No entanto, isso não significa que a fome não está aqui. Fica ela roendo internamente, causando uma melancolia que degusto gota a gota com parcimônia e resignação tibetana.

Aceitando a condição do peito pesado com o sentimento não correspondido, agora a passarela é dolorosa. São tantos os espinhos que os pés afeiçoaram-se à dor da perfuração. O bom é que não me ocupo no ofício de derrubar lágrimas e lamentar por longo tempo. Faço por um período suficiente para desaguar o que ficara represado. Feito isso, o sorriso toma conta do rosto em forma de esperança no futuro que me aguarda.

Talvez seja melhor assim. Como dizia a canção, "O Sol não pode viver perto da Lua" e eu sou soturna, introspectiva, misteriosa demais para alguém que expande raios de vida a todo momento. Por isso, joguei no lixo minhas expectativas de que um dia ele volte o olhar para mim. Segue, homem! Vá de cabeça erguida que a culpa dessa ilusão maldita é minha.



sábado, 22 de dezembro de 2012

O Poeta É Quem Sabe

Por: Viviane Cabrera 




Não quero mais saber de psicólogos, cartomantes, astrólogos, padres, videntes, pastores ou quem quer que seja para discutir questões existenciais. Depois do dia em que desabafei com um amigo poeta, percebi que só um profundo conhecedor da alma humana e das intempéries da vida pode, de fato, jogar luz no ponto certo.

Trata-se de uma pessoa simples que gosta de palavras soltas, libertas para que tenham espaço para significar o que quiserem sem amarras às conveniências, aos relógios tique-taqueando escravidão cotidiana. Iluminado por natureza, possui ele uma sensibilidade acima do normal, um riso de criança guardado no peito e intenso amor por amar. São olhos de lince que se lançam sobre determinado aspecto, pessoa ou objeto, dissecando-os. 

Com uma técnica infalível consegue retirar farpas antigas de feridas abertas e limpá-las com suas lágrimas de compaixão. Em seguida, envolve as chagas com o bálsamo de seus sábios conselhos. 

Sacerdote de uma gaia ciência, sabe fazer com que seus dizeres atinjam a nós - meros mortais - bem como a lua atingiu Drummond em seu Poema de Sete Faces. É que nos coloca comovidos como o diabo, sentindo-se à flor da pele.

Em contrapartida, essa criatura mista de céus e infernos apazigua motins que temos internamente com seus dogmas, axiomas  literários e construções de raciocínios cimentados pelo amor à humanidade que ultrapassa até mesmo seu próprio peito e expande-se no universo. Mais do que simples palavras, o poeta nos toca é com a alma e com a volúpia que o impele a crer na vida.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Banhos de Chuva

Por: Viviane Cabrera






Em tempos de banzo, banhos de chuva são mais do que necessários. São eles que lavam e levam embora toda aquela sujeira acumulada por tanta coisa que vamos encruando por dentro. A abundância de água que jorra abençoa cada centímetro de pele, cada alma que insiste em lutar, cada coração que pulsa de teimoso.

Receber o desaguar das nuvens carregadas é libertador. Isso porque nessas horas você esquece dos inúmeros problemas que te cercam e somente a chuva é que povoa o centro de suas preocupações. Enquanto ela durar, não haverá em sua mente outra coisa senão a bendita. Tudo fica menor diante da amostra de tempestade.

O que mais intriga é a mudança das sensações e sentimentos durante esse processo. Antes, o medo de se molhar. Depois de uma aguaceira daquelas, tanto faz. Você acaba até gostando de ficar embaixo dessa ducha natural. O corpo acostuma e a alma pede mais liberdade de poder viver hidratando o árido que há em nós.

Tomar um banho de chuva - dos bem tomados, mesmo - enchem a pessoa de coragem para enfrentar a barreira que for. Titã que se meta a besta nessas horas! Vai é se dar mal. Talvez essa força venha à tona porque, vinda dos céus, a chuva é uma benção e como tal desperta na gente somente aquilo que nos é tão característico.   

Sei lá. Temos mania de fazer suposições e crer piamente nelas - coisa que atinge em cheio os nervos e estômago de quem é ansioso demais. Penso que o simples às vezes basta para ser feliz, ainda que por instantes. No fim das contas, deixar fluir pingos de acaso em nós não faz mal a ninguém. Então, que chova!




domingo, 9 de dezembro de 2012

A Hora Certa Para Revelar

Por: Viviane Cabrera






Cuido do jardim, mas os pensamentos não deixam de circular na cabeça. Pesa tanto que me fazem pender e andar até curvada. De uns tempos para cá, cheguei inclusive a esvaziar-me. Andava muito cheia de passado. Aí comecei a preencher com novas esperanças. Só que também não deu nada certo. Elas pesam toneladas e arrastavam para os cantos mais obscuros. O perigo disto está em não conseguir sair mais do lugar por causa da enorme carga.

Passeava entre as flores, regando algumas, afofando a terra de outras. Até que em certo ponto, como que criando raízes, detive-me diante de uma em especial. Diferente das demais, era pequena, franzina e sem muita cor. Mas estava ali. E devia haver uma razão plausível para isso.

Enroscada timidamente em um metal que beira à parede, sobe e brinca de enrolar-se nos varais de roupas com seus galhos, folhas lânguidas de um verde musgo brilhante e suas flores - pequeninas bolsinhas brancas que guardam um mistério não revelado - fechadas para esconderem-se do sol. É o jasmim-da-noite. 

Essa mesma flor que se esconde enquanto tantas outras desabrocham formando cascatas de cores que brindam quem vê, liberta sua beleza e inconfundível perfume quando os desatentos não podem dar-se conta disso. Apenas quem realmente interessa e quem gosta é que a enxerga, a sente e a percebe como deve. E talvez seja assim que deva mesmo ser.

Enquanto olho maravilhada o espetáculo que a natureza fornece, paira uma dúvida. Não seria eu um jasmim-da-noite também? 

Hipóteses. Concretas ou abstratas, fazem parte das possibilidades que constam em minha lista. A luz nunca foi meu forte e mostrar as cores para qualquer um perde a graça. O perfume que carrego satisfaz o gosto de muito poucos e não está para ser desperdiçado. Nem paciência para isso tenho. 

De dia, exposta aos olhares alheios, sinto-me fechada, mostrando só o detalhe esverdeado do que está aparente e superficial. Contudo, é ao longe que liberto meu ser para que possa em plenitude expandir em vivências e sentidos mil. 

Quem sabe numa dessas madrugadas, iluminada sob a luz da lua, eu possa ter da reflexão o suficiente para extrair sentença que me caiba. Não preciso de platéia. Afinal, o melhor aplauso é o que damos a nós mesmos em gratidão por ter feito algo de que gostamos.


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

SORRIA


Por: Viviane Cabrera





Viver não é fácil. Impossível também não é. Há que se ter um bom jogo de cintura, paciência de Jó e muito, mas muito sangue frio. O tempo vai passando e a gente começa a ver tudo por outras perspectivas, outros prismas. Só tem uma coisa que não muda nem envelhece: o sonho.

Sonhar é o jeito que o corpo encontrou para tornar substancial o fresco e ávido delírio que guia nossas vontades. Suprimidas por alguma realidade cruel ou não, trazemos encrustadas no peito esperanças de dias melhores. Um sonho é a força motriz do ser humano. É o que move o mundo. Sonhos são belos e possuem aura confortável.

Dizem que a melhor forma de viver é fazendo aquilo que nos dá prazer. No entanto, estamos numa sociedade que continuamente tolhe nossos instintos, vontades e até mesmo os caprichos. Aí então, seguimos recalcados sob a égide de uma frustração. É por essas e outras que as coisas acontecem todas por debaixo dos panos - ou dos lençóis.

Todavia, quando você pensa em jogar tudo pro alto, vem um sorriso daqueles que te ofusca os olhos e faz baixar as armas. Essa é a vida... Entre altos e baixos, vamos aprendendo a nos equilibrar com as poucas e raras armas que temos para enfrentar os obstáculos.

Por isso, menina e menino, mulher e homem, sorria! Não há nada mais potente do que um sorriso cheio de esperança e fé. Sorria para quem te magoou, para quem te feriu. Mesmo que você queira soltar um belo e sonoro palavrão para desafogar. A vida se encarrega de dar o troco. Cabe a você apenas esquecer para poder viver em paz.

domingo, 2 de dezembro de 2012

A Pipa Amarela

Por: Viviane Cabrera






Hoje uma pipa amarela invadiu meu jardim. Perdeu-se ela ali em meio aos arbustos e enrosquei-me em sua rabiola, tentando galgar o céu. É que em pensamentos, fui subindo mais alto do que deveria e quando vi, estava lá entre as nuvens, brincando de voar.

Essa pipa trouxe fagulhas de meninice que cambalhotavam em ideias fixas. Eram elas detentoras das vontades mais pueris possíveis. Sei que repleta de tanta benesse, deixe-me descansar no gramado com os olhos cerrados e um sorriso melífluo nos lábios. Veio então o sol aquecer o corpo branco e sem viço que se perdia em um roupão grosso e desengonçado. 

Logo, a pele bronzeada dava lugar ao inexpressivo que povoava os poros. Mas ainda não era o bastante. Acontece que apesar de tantas cores registradas ali na tela mental, o amarelo daquela peça de brincadeira infantil impregnou na alma. Queria de alguma forma pintar o mundo naquele tom peculiar que me instigava a continuar vivendo. Queria tingir o que pudesse daquela cor que me incitava a odiar o lodo, a escuridão, a tristeza, a melancolia.

Empinei a pipa com os mais puros sentimentos que havia dentro de mim. Tudo aquilo que era luz e caminho de bem em minha alma e coração tornou-se força motriz para fazer a pipa subir tão alto quanto jamais poderia ter ido qualquer foguete. Chegou pertinho do Astro Rei e não podendo de tanta felicidade à altas temperaturas de entusiasmo, desfez-se em um instante mágico.

Acho que sou um pouco Ícaro, um pouco dessa pipa que quer tocar o sol. Tenho tantos sonhos cá dentro, que às vezes julgo ter latente ainda a ingenuidade dos primeiros anos de vida. Contudo, a vida teima em colocar asas de cera em minhas costas para lembrar-me de que não há perfeição nos caminhos da existência. Pisamos espinhos e somos obrigados a acostumar com a dor. Eis que não só não me acostumo a essa tragédia anunciada, mas também me recuso a aceitar que a queda será dolorosa. Pode ser que eu aprenda algo com ela.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

De Escrever

Por: Viviane Cabrera







Ultimamente estou voltada aos fatídicos e derradeiros desenganos do acaso. Cansei dessa veia romântica ao estilo dos Irmãos Grimm que aprisiona e engessa toda a ideia de naturalidade. O fluxo das coisas precisam e merecem ser respeitadas, pois a vida é bem isso: um desaguar de situações desconexas que se acorrentam umas às outras até tecerem uma malha férrea de acontecimentos. Importa é o gosto das palavras soltas, libertas para que tenham espaço para significar o que quiserem. Sou moleca que tem mania de palavrear tudo que sente, observa e percebe. Escrever, para mim, é uma brincadeira séria. 

Pouco importa se o final é feliz ou triste. O enredo que se conta é que precisa pegar o leitor pelo pé, pelas entranhas, pela alma, pelo coração. O relevante é que o rumo das coisas caminhem para o melhor dos personagens. Seu encerramento acaba sendo mero detalhe. É um mundo a parte que adentramos para explorar. Sem ambição alguma. Somente pelo simples prazer das descobertas e novas sensações que proporciona. É onde o jeito que me codifico em letras é minha identidade, meu rosto. É onde moldo o barro para que se transforme em cerâmica. 


E o bom da escrita é justamente isso. Somos submetidos voluntariamente a ser reféns de nossas palavras, personagem de nossos personagens. Devemos deixar que o processo todo abuse de boa vontade que temos. É forma de se libertar. Deles e do que mais estiver preso por aí. Assim é que se dá minha redenção. Seja para falar do bem ou do mal. Essas drogas de demônios fazem é estrago dentro da gente, arranhando ao querer sair do jeito que for. Aí é que dar vazão a eles passa a ser um bálsamo. Pois a cada palavra, acalmam-se e me deixam em paz. Coloquei os tais demônios para pensarem por mim e fico apenas com o serviço de psicografar.


Que me desculpem os desavisados. Mas quando a inspiração me pega, não faço força alguma para escapar. Mergulho sem perder o ar, de olhos bem abertos e braços a espera do que possa vir a ser.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Uma Brisa, Uma Frase e Vários Sonhos

Por: Viviane Cabrera
 
 
 

Certa vez me disseram que só pode oferecer água quem tem um poço dela repleto. Por não achar água onde julguei que encontraria é que vou em busca de novos caminhos. Os olhos necessitam de horizontes diferentes, pois acostumaram-se demais ao cenário de então. 


Não se trata de apontar o dedo para o outro, mas de aceitar e respeitar meu jeito, não violentando-o. Cansei de muita coisa, inclusive de me excluir da lista de prioridades. Um dia a gente acorda, baby. E ainda bem que não é tarde demais.

Todos os dias, encaro de frente esse enigma da Esfinge da Vida. "Decifra-me ou devoro-te!", brada imperativamente ela. No entanto, são tantas as armadilhas e seus embustes que já não sei mais qual é a vantagem do que. Pois que me devore. Continuo como Sócrates, tendo a consciência de minha total ignorância.

Aí é que decidi calar. Não sei por quanto tempo essa necessidade intrínseca pelo silêncio há de durar. Até mesmo porque não sei ouvir quieta à descabidas palavras sem que me manifeste. Perdi a conta das vezes em que olhei no espelho e vi transfigurado meu olhar. Perturbou-me de tal forma saber que já não eram meus olhos, mas a maneira de olhar que se refazia numa espécie de metamorfose que resolvi calar para acompanhar com atenção os tic-tacs de um tempo que voava livre de qualquer obrigação.

Apenas calculo que será suficientemente preciso para retomar o fôlego e emergir das águas gélidas as quais tenho deixado meu corpo afundar. Como diria Fernando Pessoa, "Falta sempre uma coisa, um copo, uma brisa, uma frase. E a vida dói quando mais se goza e quanto mais se inventa". Quero compreender essa falta, essa dor. Quem sabe assim ela passa.

Vivemos numa existência solta, em um universo absorto no silêncio. Ainda que coberta por ele, procuro na escrita a válvula de escape. Escrever é um constante exercício para livrar-se de antigos demônios. Os meus precisam sair devagar para não congestionarem e atrapalhar todo o processo.

Já foi dito - e muito bem dito, por sinal - que os defeitos também são necessários para compor o aquilo que se chama "eu". Eis em mim complexidade de antíteses que se completam na incoerência que há em ser humana, demasiada humana. Sou ao cubo. Não vou na maré de opiniões alheias. O que me satisfaz é o que enternece alma e coração. Apego-me apenas a esse conceito e sigo em frente. Sempre. Cabeça erguida, ombros alinhados e os pensamentos correndo na mente.
 
Solidão é mesmo um momento ímpar. É quando podemos olhar para dentro e nos perder em infinitos detalhes e descobertas. Nessa perda que nos encontramos cada vez mais. Ando aprendendo a me ilhar, cercar-me da água do acaso e esperar o resgate da vida. Já não tenho forças para ir tão alto nem paciência para descer tanto. Sonhos eu carrego no coração e não me furto a entregar-me a eles. É a única chance que eles têm de serem concretizados e eu de ser feliz.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Do Acessório Ao Imprescindível

Por: Viviane Cabrera



 

Estou de luto. Mas não perdi parente, cachorro de raça, gato de estimação, papaguaio ou namorado. Perdi mesmo é meu brinco de ouro, lástima que não há barra de chocolate belga, sexo do bom e cantada de pedreiro no mundo que substitua. Dá um vazio existencial que dói no mais íntimo de mim.
 
O artefato de metal nobre era fruto de um mimo feito por alguém que já se foi. Transcende ao valor material. Usar aquele par de brincos era como que se eu estivesse perto ainda daquela pessoa que me era tão especial.
 
Agora, sinto falta de algo que não sei bem o que é. Não é só a falta do bendito brinco, mas das coisas que representava. Ia muito além de sua beleza. Fato é que eu ficava com o semblante tranquilo e feliz quando com ele estava.
 
A teimosia é tanta que me recuso a tirar o brinco que restou. Parece que é coisa de estilo. Contudo, não passa de não saber desapegar de um sentimento reconfortante que acompanhou-me por longa data. Cismei e ponto final.
 
Resumindo a ópera, essa lacuna punjante em meu coração irá doer toda vez em que tocar as orelhas e não mais notar o brinco em seu devido lugar. Perdi muito mais do que um acessório. Perdi parte de minha história feita de metal. Perdi parte de mim numa pesada fração de instantes que passaram  despercebidos. Só que jamais serão esquecidos.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Uma Crônica Oftalmológica


Por: Viviane Cabrera      







Passei a vida inteira enxergando as coisas por um prisma. De repente, duas janelas fixaram-se ante meus cansados e pesarosos olhos, abrindo um mundo de novas possibilidades a minha frente.
 
É bem verdade que no começo mais pareciam duas traves que impediam o ângulo calculado de visão para que eu pudesse me mover adequadamente. Foram dias e dias tentando ajeitar o novo adereço no lugar que antes era livre de qualquer barreira. O artífice até poderia vir a ser um bem. O problema foi - e ainda é - o processo de aceitação estética.
 
Imagine só sua imagem fielmente refletida de um jeito no espelho por longo tempo e num atropelar de acontecimentos, surgir um objeto estranho nesse reflexo com o qual você será obrigada a conviver.
 
Mais complicado do que aceitar-se diferente é ver as pessoas que nos cercam adaptarem-se à nossa nova realidade. Há quem incentive, dizendo que parecemos mais intelectuais. No entanto, sempre tem aquele urubu que detona com tudo. Para as aves de rapina, uma banana de dinamite.
 
Não sei. Mas desde que coloquei essa armadura oftalmológica, passei a me sentir mais confiante. Vai ver que a miopia, o astigmatismo, bloqueavam a visão de coisas que não eram substanciais também. De qualquer forma, é uma experiência em que reaprendo a ter outras percepções. Talvez eu venha a renascer. E nem precisa ser das cinzas. Basta ser de um novo olhar.

sábado, 29 de setembro de 2012

Poesia

Por: Viviane Cabrera








Há dias em que as lágrimas escorrem.
Sofridas, a pele enrugada percorrem
o rosto marcado
por força da vida, cunhado.


O sangue quente,
de ânimo duro e renitente,
aguarda dias melhores,
enquanto a razão sabe que podem ser piores.


Mas logo as mãos interrompem o choro.
Vem um entusiasmo, canto de anjos internos em coro,
que erguem os olhos ao céu
e deixam tudo o que sufocava ao léu.


É nesse momento que a poesia se apossa de mim,
faz morada nas entranhas e ama-me sem fim.
Poesia é uma forma de colorir a vida.
Poesia é o remédio que cicatriza toda a ferida.


Arte que encanta, transforma-se em dança
em que rodopiam radiantes e risonhas em movimento que não cansa
as fadas protetoras dos versos aos papéis dispensados
que jamais serão esquecidos, perdidos ou desacreditados. 


Presente ao qual brindamos constantemente,
ao qual nos doamos em amor e no que mais se sente,
poesia e vida confundem-se numa só.
E eu quero mais é confundir-me com ambas, sem nenhuma dó.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Caixa de Pandora




Por: Viviane Cabrera
 
 
 
 
 
 
 
 
Não acredito mais facilmente. Foi-se a época em que a ingenuidade permitia invasões ao meu espaço. Agora, não mais. Hoje o ceticismo agudo que me arrebatou, leva a razão a desconfiar de tudo e todos. Inclusive de mim. Talvez seja paranóia. Ou talvez não.
 
Quase que num exercício metodológico, observo atentamente cada movimento alheio a analisar, passo a passo, para não ter nenhuma surpresa à frente. E não há palavras doces ou qualquer outra coisa que sirva para subornar meu bom senso. Ando sempre com um pé atrás que é para garantir.

Acho que sou como aquela caixa que Pandora levou a Prometeu. Tem muita coisa confusa e caótica que não dá para explicar. Uma dessas coisas é que por mais que tente, não consigo compreender alguns porquês existenciais. Mas, quem sabe, resida no mistério a beleza da vida. Só sei que enquanto para uns a vida é de flores, sigo com os pés nus e faço dos espinhos meu asfalto.

Irônico é que tenho fé. E muita fé. A esperança latente me faz ainda crer, lá no fundo, que o negócio é rir, mesmo. Além de exercitar a musculatura da face, coisa que de certa forma pode retardar o envelhecimento, é gostoso demais para a alma. Rir engrandece a criança que há dentro de nós.
 
 

sábado, 22 de setembro de 2012

Poema Devasso

 
 
Por: Viviane Cabrera
 
 
 
 
 
Sou dada a paixões masoquistas.
Juntar amores, colecionar conquistas.
Lançar-me ao acaso
livre e leve
sem desgosto ou descaso,
conveniência de usar o que bem me serve.
 
Ele, sem vergonha e sem juízo.
Eu, faminta pelo amor e sequiosa por chegar ao paraíso.
Juntos, são pernas e braços a se entrelaçar.
Seguem a cruzarem-se e a estrangular
a vontade de ir embora e esquecer
o que ali se passou para ir em frente e viver.
 
Ele me segura em seus braços
sufocando-me aos beijos.
Realiza meus desejos
estabelecendo nossos laços.
 
Findo flutuando na órbita universal dos amantes.
Daqueles que prestam-se a amores vagabundos e provocantes,
que incendeiam corpos, movem moinhos.
Mas que no fim das contas, ficam melhor sozinhos.





quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Morro Um Pouco

Por: Viviane Cabrera
 
 
 
Morro um pouco a cada lágrima que cai,
a cada pessoa que se vai;
com dor ou no temporal.
Praga isso de ser sentimental!

Mas tudo passa nessa vida,
cura-se o mal, fecha-se a ferida.
E num sorriso renasço,
feito mulher de aço
a galgar tudo o que me era até então alheio
e satisfazer o mais secreto anseio.

sábado, 8 de setembro de 2012

O Cigano Maldito

Por: Viviane Cabrera
 
 
 
 
 

Vem a noite com seu manto despertar memórias que deveriam ser esquecidas. Vou de um canto a outro da cama tentando achar maneira de desvencilhar dos grilhões que me ligam às lembranças. São palavras, gestos que ainda fazem meu corpo incendiar.

Todavia, ele está a um oceano de distância. Oceano das lágrimas que me fez derramar e das decepções que me afundavam ainda mais nas águas revoltas dos acontecimentos. Mas aos poucos, fui dando braçadas até chegar em terra firme e notar que de sua parte não havia nada além de deboche. Ele toca as castanholas do desdém, baila e sapateia em meus sentimentos.

Aquela voz clara e suave que acalentava tornou-se rouca e diabólica. Os braços que antes confortavam, agora estão cruzados. E minhas mãos trêmulas e vazias que hoje olho com uma interrogação em mente seguem tateando o caminho que ele destruiu.

O peito com um nó dentro dói cada vez que penso nos dias felizes. Já não existe em mim um coração, pois esse passou por tantas metamorfoses que está desfigurado. Há apenas uma estúpida esperança de que um dia eu acorde em uma manhã de outono e ouça aquela mesma voz ao ouvido, a acalmar os inúmeros anseios e inquietudes que me são característicos.

O sotaque espanhol que embalava meus ouvidos com a melodia de sua voz caminha em direção ao precipício do esquecimento, passando pelas planícies da saudade. E eu, apegada ainda à poeira deixada por seus sapatos na terra batida, sigo a observar o horizonte na expectativa de que alguma nau venha resgatar os destroços que estão espalhados.

A luz do luar desta noite trouxe uma razão plausível para aniquilar tudo o que ainda nos mantinha ligados. Foram para a fogueira alta suas fotos, cartas, presentes, junto com as memórias que a muito custo arranquei de mim. Alimentavam o fogo e davam-me a sensação de liberdade que há tempos não experimentava. Vi com satisfação aquelas coisas todas tornarem-se pó. Fiquei a madrugada toda a olhar a cena. Eram explosões contínuas de felicidade cá dentro.

Ele é maldito, dado que levou boa parte do que era só meu, das ilusões que me eram caras. Contudo, agora as brasas apagam-se definitivamente. Livre, enfim, do laço masoquista com o cigano, sigo pela estrada como cigana também. Quero experimentar aventuras que possam me devolver tudo o que perdi. Quero novos caminhos. E sem atalhos. Eu quero vida.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Do Lúdico Em Mim

Por: Viviane Cabrera
 
 
 
 
 
Acho que nunca cresci. Continuo com olhos pequenos a enxergar essa vastidão de mundo e com necessidade de colo e aconchego. A lúdica vontade de explorar lugares e situações me acompanha a cada aniversário, mantendo cá dentro uma chama que jamais chegará a brasa.
 
Brinco de observar - minha brincadeira favorita - o que me cerca. São rostos, palavras, sons. Nessa sinestesia, tento extrair alguma percepção, de maneira que haja uma metamorfose gerando novas coisas, pessoas e circunstâncias. Pelo menos, que seja dentro de minha louca cabeça.
 
Essa cabeça que abriga mais do que cabelos, gosta de ter pensamentos confusos que resultem em uma conclusão. De enigmas que despertem meu interesse. De desafios que venham a instigar meu ser. Neles, fico presa, quieta e meditativa, arquitetando um esqueleto para dar forma ao que não é substancial e que pertence tão somente a minha cabeça. Louca cabeça.
 
Posso passar horas brincando com o que é supostamente sério. Não me conformo com a rigidez conveniente das relações interpessoais. Rir é tão bom, poxa! Sou fã da descontração. Pois, no fim das contas, ou eu dou risada de minhas desgraças, ou alguém o fará as minhas custas.
 
Idealizo muito e tanto, que às vezes me perco. Mas nessa perda é que me acho, nefelibata que sou. Por que não sonhar? Não há mal nenhum. E eis o que fez eu me aconchegar na poesia. Regras? Esquema de rimas? Ora! Poesia é sentimento! Exatamente por isso é que não pode ser medida ou submetida ao que é fixo e imutável. Poesia é mutante. Mutante como um sonho. Recuso a opção de ser pragmática e deletar do meu HD cerebral tudo aquilo que me diverte.
 
Ah! Se as pessoas de hoje usassem mais a imaginação! Quão ricas elas seriam! A alma está em como você encara a vida, de que maneira você a sente. Eu sou mulher com olhos de menina levada. Tudo o que quero cabe na palavra felicidade e escreve-se no caderno irônico de Deus.

domingo, 12 de agosto de 2012

Pai É Pai

Por: Viviane Cabrera


Eu, em uma das minhas primeiras manifestações rebeldes de fuga e meu pai logo atrás, tentando me resgatar.


Viver é empostar-se sobre o verbo esperar a existência toda. Esperamos o crescimento para ter acesso e direito a determinadas coisas. Mas quando o conseguimos, queremos retroagir para a liberdade que tínhamos enquanto criança de não trazer nas costas o peso das responsabilidades.

É bem verdade que na infância as pessoas parecem maiores e os problemas menores. A principal preocupação está em organizar a brincadeira e executá-la. Para uma criança, a vida é feita de pequenas e simples coisas. Quando crescemos, complicamos proporcional a nossa idade. Sabe aquela filosofia de alcoólicos anônimos de um dia por vez? Eu era adepta. Ia pé por pé, respeitando o compasso. No entanto, cheguei a tropeçar nas próprias pernas. Daí cheguei a conclusão de que deve-se viver como se quer e do jeito que dá.

A experiência de anos vividos nos mostra quais devem ser as prioridades na vida e como reconhecer que merecem o devido valor. Há tanta coisa que turva a vista que perdemos a percepção do que realmente importa.

Digamos que eu e meu pai nunca fomos muito próximos um do outro. A máxima "dois bicudos não se beijam" é a melhor forma de definir nosso relacionamento. No entanto, não imagino um pai que não seja ele.
Severo e repressor, sim. Mas era a única maneira que ele entendia ser viável de demonstrar amor. De origem humilde e criado à rédeas curtas, quis reproduzir o que aprendeu com a vida. Não o culpo, pois fez apenas o que julgou ser o melhor. O seu melhor. E para mim, isso basta.
 
Agradeço ao meu pai pelos "nãos" que me contrariaram, mostrando que nem sempre a vida seria do jeito que eu quero. Agradeço pelos valores e princípios que nortearam a busca por me construir enquanto pessoa de personalidade e caráter forte. Agradeço as trocas de fralda, as noites mal dormidas por causa do meu choro. Agradeço por tudo aquilo que me fez chegar onde estou e que me fez o que sou.
 
Muito obrigada, Moisés Manoel!Te amo, pai! ♥

sábado, 4 de agosto de 2012

Ofício

Por: Viviane Cabrera





Escrever é um ato de volúpia. Luxúria que se dissolve em tinta ou pixels para traduzir desejos intensos de uma vida. Ao conceber palavras, o cérebro deixa escorregar na montanha russa dos sentimentos sentenças que, caso obtenham liberdade para tal, flutuam em direção ao outro.

O autor é mensageiro de percepções que lhe são alheias. É um instrumento divino em que as coisas passam através e voltam à tona com ressignificações dignas de um olhar atento, um coração pulsante e análise intelectual dedicada.

Há quem se deslumbre ao deparar com um escritor. Que nada! Ele é tão humano e falho quanto qualquer um. Tem vícios, defeitos, dificuldades. Muitas das vezes, leva uma vida tão normal que precisa da literatura para livrar-se dos grilhões tiranos da realidade. A mesma mão que digita um texto corta pão e passa manteiga, toma um café e se dá ao luxo de outras coisas as quais melhor não citar. Sim! É uma pessoa normal.

Contudo, o ritual da escrita acontece com um certo gosto pelo nome em letreiro grande e iluminado na jornada da humanidade. Quem nega, mente. E tem uma explicação plausível para o fato. Acontece que quem se permite desnudar em palavras o faz com o furor de um amante enlouquecido de vontade. Descortina uma vida nebulosa e a escancara em praça pública. E quem assim age, logicamente que aguarda o afago do reconhecimento por seu trabalho. Há que se ter coragem e o desprendimento como se tudo não passasse de uma peça de teatro grego (tragicomédia cotidiana). Coitado de quem julga pela palavra sem ao menos conhecer a história que há por trás dela. Não sabe o que está perdendo!

domingo, 29 de julho de 2012

O Batom Vermelho

Por: Viviane Cabrera





Em uma vida padrão e rotina cotidiana, engrenava dia após dia em histórias batidas e que não despertavam muito interesse. Ela era comum. Apenas mais uma na multidão.

Durante a semana, voltava sua atenção para os deveres e obrigações. Mas ao final dela, dava-se o luxo de desligar-se de tudo - inclusive de si mesma. Já não suportava o peso nos ombros de ter de aguentar o fardo de viver. Queria mais era a liberdade de ser sem amarras.

Certa vez ao acordar, resolveu fazer compras. Ia de vitrine em vitrine a buscar por algo que ansiava, mas que não tinha ideia do que poderia ser. Até que depois de horas a vagar, um objeto a atraiu. "Um batom vermelho! É exatamente do que eu preciso!", pensou em voz alta. E lá foi ela sob a ânsia de ter em mãos o que desejava.

Ela que, em sua insignificância preto e branco, viu a possibilidade do vermelho torná-la visível aos demais. A intensidade que representava superava o fato do batom ser monocromático. Via ali a fusão de uma presença de espírito com poder e um ego fortalecido. E ao passá-lo de leve nos lábios, tingira não somente este, mas também a alma.
Cabelos soltos numa ventania que era tão dela naquele momento. O mundo lhe pertencia e ela igualmente retribuía alegremente. Era, de fato, peça atuante naquele jogo de xadrez que até então a mantinha cativa da derrota. Era confiante, forte, dona de si, provocadora e provocante com aquela boca carnuda exposta ao sol - o que conferia vivacidade a toda aquela vermelhidão.
Seguindo em frente, deixou longe a imagem de uma menina que na monotonia de sua combinações cromáticas via-se perdida na falta de brilho e contraste da paisagem. Queria sempre mais e esse plus veio tingido de vermelho. 
Pois com suor e sangue registrou seu nome na pia batismal da existência, dando adeus aos grilhões que arrancaram lágrimas e gemidos em noites frias. Como Ícaro, sua direção agora era o sol. Pouco importa o que ou quanto isso vá lhe custar.

sábado, 28 de julho de 2012

Só Por Hoje

Por: Viviane Cabrera



Hoje eu quero colo de mãe,
descanso de rede e água de coco.
Beijinho, brigadeiro, torta de limão.
Orvalho escorrendo pelo meu corpo.
Beleza de uma flor em minhas mãos.
Vontade de voar,
de sonhar e não mais acordar.

Hoje quero cores vivazes
das paisagens mais longínquas.
Copo de tequila.
Taça de vinho chileno.
Caipirinha de sakê.
Ares de liberdade.
Olhar a vida com a mais pura sagacidade.

Hoje quero riso frouxo de criança,
sentimento de vã esperança.
Aprender tudo que puder
e largar mão do que não vale a pena.

Hoje quero a felicidade brilhando nos olhos.
Brisa fresca tocando a face.
Ter o direito de sempre recomeçar
e nunca perder a capacidade de acreditar.

Hoje quero abrir os braços para a existência.
Quero assumir de vez minha essência,
de modo ser somente o que me apetece.
Mil e uma faces de alguém que se permite acordar para a vida
e sempre amanhece.

Quero a noite serena na alma,
estrelas no pensamento,
buraco negro no peito
e levantar poeira cósmica ao meu redor.

Quero sentir que há algo maior
que o que se conhece.
Quero um coração equilibrado,
não esse órgão celerado
que em armadilhas me envolve.
Quero provar sabores diferentes,
saber quais flores combinam com o âmago da gente
e afastar para longe o que nos diminue.

Hoje é o dia em que eu quero ser simples.
Ser tão somente
o que, de repente,
não passa de um eu danado
- que muitas vezes já havia tropeçado -,
mas que ainda assim acredita que não está fracassado.





segunda-feira, 23 de julho de 2012

No Último Andar

Por: Viviane Cabrera







Sentada em sua cama, olhava ao redor. Pensava em procurar onde é que havia se perdido. Mas em meio a bagunça, desfazia-se de si ainda mais. Chegou a ligar a televisão na tentativa de se distrair. No entanto, seu olhar vazio arrastava pensamentos em busca da viabilidade de uma solução.

O coração disparado fazia com que a respiração ficasse ofegante e dificultosa, a ponto de sentir-se sufocada. Sua única doença era os senões a que se apegava para tentar uma conversão no meio do caminho. Talvez fosse ela um carro desgovernado em direção ao precipício, sem freios ou manuais que a trouxessem de volta à trilha que deveria ter seguido.

Entre inspiração e expiração permeavam reflexões convergindo naquele ser tão pequenino que era obrigado a suportar nas costas o peso do mundo. Queria até desvencilhar-se, porém o que era um instante, tornava-se ciclo de repetições sem fim. Mudavam os atores só que o cenário permanecia o mesmo.

Um ópio, um bálsamo! Braços para se aconchegar! lugar onde repousar a cabeça! Qualquer coisa que a tirasse daquela sensação vertiginosa da queda incessante. Foi então que correu à janela e ficou um bom tempo a admirar a paisagem. Fechou os olhos, abriu os braços e ficou ali a deixar que o vento rasgasse seu rosto, congelando muito daquilo tudo que a fazia ferver.

Entregava-se de tal maneira que, quando percebeu, a noite instalou-se explendorosa, serenando o turbilhão que abrigava no peito. Anoitecer é a certeza enluarada de que o dia seguinte surgirá com a solução iluminada do amanhã.

sábado, 21 de julho de 2012

Crônica De Um Tempo Que Parece Não Ser Meu

Por: Viviane Cabrera






Ando cansada das frivolidades a que estamos contantemente expostos. Nossa época de individualidade, isolamento, incomodou o suficiente para que eu venha a soltar o verbo nessas mal digitadas linhas.

A sociedade nos cobra a todo instante uma serenidade falsa, sensatez e que sejamos frios, pragmáticos, produtores e reprodutores. Cansa ter de atender a tantos paradigmas quando na realidade o que se quer é ser só "EU".

Esse eu que não tem dono, um eu rebelde e com vontades próprias está preso entre grades de uma série de conveniências sociais que tentam moldá-lo a um padrão aceitável para que o convívio coletivo seja harmônico.

Nas ruas as pessoas não mais se olham nos olhos. É que o tablet, o i-Phone, o smartphone nos chama ao mundo paralelo da virtualidade. Não escutamos nem dizemos "Bom dia!", pois o volume de nossos fones de ouvido estão altos demais para nos trazer de volta a nossa humanidade. Num tempo em que o face à face foi substituído por facebook e outras redes tão impessoais quanto um veredicto divino, as pessoas (sobre)vivem com um ponto negro no peito.

No entanto, a indústria farmacêutica aproveitou-se do aparecimento dessa sensação de vazio - "mal" do século XXI - pois viu aí uma oportunidade de crescimento. Não se pode mais ter um simples banzo por um tempo sem ser diagnosticada como depressiva(o), além de receber em mãos um monte de receitas de tarjas pretas que suprem frustrações, tristezas, decepções, rejeições. São muitas problematizações de coisas simples.

Buscamos uma solução que não é concreta, substancial aos nossos problemas. Desdenhamos do lúdico e cultuamos uma realidade cinza e sem atrativos. Ora! Sonhar com melhorias para si e para os outros não é besteira nem falta de lucidez.

Aqueles que deixaram sua marca na história o fizeram pois tinham sonhos e os alimentavam com a vontade de concretizá-los e com sua persistência, mesmo diante de pequenas derrotas. Arregaçaram as mangas, foram contra a maré de críticas do tipo "É loucura! Depois não diga que eu não avisei". Mais do que em si mesmo, acreditaram nas possibilidades. Por esses sonhos, choraram, passaram noites sem dormir. Porém, ao final da jornada, colheram os bons frutos da semente por eles plantada: a vitória.

Antigamente era mais fácil ser um sonhador. Hoje, é inaceitável. Tudo deve ser prático, simples e rápido. Sem muito esforço, de preferência. É aí que bate uma nostalgia de tempos que não vivi, mas que os livros trouxeram a meus olhos o conhecimento dos fatos. Quisera eu poder andar no mundo da lua, com pensamentos vagando pelos mais diversos cantos do meu cérebro e os neurônios a tilintar com essa movimentação. Quisera eu ao fim do dia, em minha cama, achar que todo o esforço feito vale a pena. Quisera eu. Quisera...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Causo do Trem

Por: Viviane Cabrera





Mais uma viagem pelos trens metropolitanos da cidade de São Paulo. Lotados, caindo aos pedaços, fora do horário previsto para chegar. Como sempre.

Na estação terminal Luz, plataforma sentido Francisco Morato, as pessoas entram nos trens desesperadas. É que se perder um, o próximo demorará no mínimo vinte minutos.Passado algum tempo, o sinal soou indicando que era hora de partir.

Observava por entre o vidro sujo do trem toda a paisagem urbana sumir diante de meus olhos, com a velocidade do transporte. “Olha o chocolate! Um é dois e três é cinco!” – falava uma voz firme que corria de um lado a outro do vagão, oferecendo seus préstimos. Era um rapaz alto, feição de quem tinha lá pelos seus trinta e poucos anos. De canto a canto, ia a voz de trovão em meio àquela tarde cinzenta, trazer chocolates a preços módicos para os passageiros. Seria normal, não fossem dois guardas da CPTM. No cumprimento de seu trabalho, enquadraram o vendedor requisitando a mercadoria “ilegal” e o advertindo de que desceriam na estação Barra Funda para que ele prestasse esclarecimentos.

O homem com uma pequenina sacola nas mãos estremeceu. Passou a vociferar contra os dois guardas: “Não entrego nada! Vocês vão ter é trabalho comigo. Isso aqui é meu, ó! Que vire migalha, mas não entrego”. Enquanto isso, uma das autoridades passava um rádio pedindo reforços e dando a localização do vagão – numeração e tudo mais. Os dois – uma mulher robusta, visivelmente com medo, e um rapaz com olhos humildes que ouso dizer tinha até certa dor de ter de se impor daquele jeito, pois parecia ser alguém de paz – conversavam com o ambulante justificando a ação como sendo apenas uma rotina de suas funções. “Que oh! E eu? Também sou pai de família! To perdendo aqui o leite das crianças! E agora? Quem vai botar comida na mesa lá em casa?”, dizia a altos brados, com tentativas frustradas de se desvencilhar daquela dupla que o censurava.

Nas idas e vindas de um ponto a outro do vagão, esbaforido de raiva e resmungando lamentos, o vendedor sacudia os chocolates e buscava no rosto das pessoas um olhar de aprovação. Perguntava a todos o porquê de o proibirem de trabalhar e deixarem à solta bandidos que “batem a carteira de trabalhador”. Poucos se manifestaram, mas os que o fizeram mostravam-se a favor de deixar o comerciante em paz. "Finge que não viu! É simples", gritou alguém lá do fundo.

Não há como julgar qualquer um dos três. Sem exceção, tinham direito de trabalhar - ou pelo menos, deveriam. O único “erro” do vendedor ambulante foi desempenhar uma “atividade ilegal” por não pagar impostos. Não dava o quinhão do Estado. É o que fazia dele um transgressor. A guarda feminina nem ao menos abriu a boca. Era nítido o medo de que aquela situação evoluísse para outra pior. Já o seu parceiro, após muitas ofensas do vendedor, tentava resolver da melhor forma. No entanto, notava-se um certo desconforto por parte deste em relação aos olhares duros dos passageiros que apoiavam o outro.

Apesar da taxa de desemprego cair nos últimos anos, há ainda trabalhadores que não conseguem vaga no mercado por não serem qualificados o suficiente. O vendedor faz parte dessa estatística. Por não conseguir um emprego de carteira assinada, muitos partem para a informalidade. Afinal, “O cabra precisa se virar, poxa!”, como bem disse um senhor ao tentar defender o ambulante.

Chega a estação Barra-Funda. O vendedor, muito mais alto e forte que qualquer um dos guardas, blefava com gestos de quem iria desferir um soco à la Muhammad Ali. Tão logo ameaçava, baixava as mãos. Estava era ansioso por se desvencilhar e continuar sua rotina.

Eis que ele sai do vagão. Corre com a sacolinha de chocolates balançando a cada frenético movimento seu. Logo foi pego pelos reforços pedidos via rádio no início da narrativa. O guarda que queria apaziguar e lhe advertiu no trem sobre vender mercadorias agora encontrava-se por cima do ambulante, contendo-o com o cassetete e o peso de seu corpo. Em poucos segundos, a porta fechou. O trem seguiu em frente o caminho a que estava atrelado.

Ouvia-se murmurinhos de louvação, tanto ao vendedor quanto ao guarda. “Tá todo mundo fazendo seu trabalho. Que se vai fazer?”, dizia uma senhora idosa, impressionada por tudo que presenciou.

Fato é que essa curta tragédia mostrou-me que direitos todos temos em teoria, só que a prática é bem diferente. Num mundo pautado pela busca do lucro a qualquer preço, sujeito que não produz fica à margem da sociedade. Mais de escanteio ficaria se não consumisse, contribuindo assim para fazer girar a economia de seu país. Os trabalhadores informais arriscam-se por nada mais nada menos do que um pouco de dignidade. Querem trabalhar, só isso. Num mundo em que concessões custam caro, o preço que o Estado pede para que estes sejam reconhecidos são os impostos.

A dupla de guardas não parecia condenar o vendedor. Ao contrário do que se pensa, via-se em seus olhos um pesar em ter de efetivamente cumprir as normas. Pena que não deixaram que isso viesse à tona. Contudo, cada qual com sua bagagem de vida, suas histórias. É o que justifica a maneira de ser e agir do indivíduo.

Final de meu destino, desci do trem carregada de pensamentos. Não havia conclusões. Somente uma profunda e angustiante certeza de que os mártires dessa tragédia não fazem ideia de seu protagonismo. Não mesmo.

sábado, 9 de junho de 2012

Uma Brasa no Deserto

Por: Viviane Cabrera





Sou a incoerência habitual que há em ser mulher. Luto diariamente contra as intempéries da vida e de minha própria personalidade, a fim de aparar arestas internas. Por isso continuo de mangas arregaçadas. Não quero depender de esperança ou fé, apenas do que me compete fazer. Na balança da vida, atitudes têm mais peso do que palavras.

Gosto e desgosto na mesma inconstância que me é característica por querer tanto gostar. Acendo uma brasa na outra e nelas emendo paixões, histórias, pessoas e acontecimentos. Tudo pelo sabor da freneticidade. Quero tudo ao mesmo tempo agora e não me contento com pouco. Sou intensa a ponto de desejar o melhor sempre e exigir até mesmo de mim a perfeição.

Daí constato que sou um obstáculo intransponível a minha própria vida. Sigo, dia após dia, lapidando o que em estado bruto se encontra. Nessa baila, meses, anos, décadas, séculos e milênios se vão como areia na ampulheta. Grão por grão, passam no fino gargalo do tempo a esperar por mais fragmentos. Ao cair, um sobre o outro, sedimentam o que de humano há em mim e que se sobrepõe a todo o resto. O que interesa é que quando os sapatos já não couberem nos pés, seguirei descalça e livre para onde quiser. Sem essa de malas com resquícios de passado, carregadas de tudo que já não me serve. Não quero ter a mesma sina que Álvaro de Campos, parado consumindo-se diante das malas acumuladas pelo tempo a arrolar tudo o que foi, é e será. Ansio pela liberdade de me locomover pelos desertos sem fim - grandes ou não - até chegar em um oásis que mate minha sede, a sede que tenho de viver. 

Para tanto, permito-me a muita coisa. Deixo correr frouxo meus instintos, sentimentos, sonhos, vontades e desejos. Aceito que eles existam e faço o possível para que se concretizem. Permito-me, inclusive, ser seriamente uma palhaça. Afinal, o ser humano é dado a contradições por natureza.




*** E já que citei Álvaro de Campos, aí vai seu poema (um de meus preferidos de uma das pessoas de Pessoa):
Grandes são os desertos


Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.


Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.


Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,


Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,
Para adiar todas as viagens.
Para adiar o universo inteiro.


Volta amanhã, realidade!
Basta por hoje, gentes!
Adia-te, presente absoluto!
Mais vale não ser que ser assim.


Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro,
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito.


Mas tenho que arrumar mala,
Tenho por força que arrumar a mala,
A mala.


Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão.
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala.
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas,
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino.


Tenho que arrumar a mala de ser.
Tenho que existir a arrumar malas.
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte.
Olho para o lado, verifico que estou a dormir.
Sei só que tenho que arrumar a mala,
E que os desertos são grandes e tudo é deserto,
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci.


Ergo-me de repente todos os Césares.
Vou definitivamente arrumar a mala.
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;
Hei de vê-la levar de aqui,
Hei de existir independentemente dela.


Grandes são os desertos e tudo é deserto,
Salvo erro, naturalmente.
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado!


Mais vale arrumar a mala.


Fim.