Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

domingo, 29 de julho de 2012

O Batom Vermelho

Por: Viviane Cabrera





Em uma vida padrão e rotina cotidiana, engrenava dia após dia em histórias batidas e que não despertavam muito interesse. Ela era comum. Apenas mais uma na multidão.

Durante a semana, voltava sua atenção para os deveres e obrigações. Mas ao final dela, dava-se o luxo de desligar-se de tudo - inclusive de si mesma. Já não suportava o peso nos ombros de ter de aguentar o fardo de viver. Queria mais era a liberdade de ser sem amarras.

Certa vez ao acordar, resolveu fazer compras. Ia de vitrine em vitrine a buscar por algo que ansiava, mas que não tinha ideia do que poderia ser. Até que depois de horas a vagar, um objeto a atraiu. "Um batom vermelho! É exatamente do que eu preciso!", pensou em voz alta. E lá foi ela sob a ânsia de ter em mãos o que desejava.

Ela que, em sua insignificância preto e branco, viu a possibilidade do vermelho torná-la visível aos demais. A intensidade que representava superava o fato do batom ser monocromático. Via ali a fusão de uma presença de espírito com poder e um ego fortalecido. E ao passá-lo de leve nos lábios, tingira não somente este, mas também a alma.
Cabelos soltos numa ventania que era tão dela naquele momento. O mundo lhe pertencia e ela igualmente retribuía alegremente. Era, de fato, peça atuante naquele jogo de xadrez que até então a mantinha cativa da derrota. Era confiante, forte, dona de si, provocadora e provocante com aquela boca carnuda exposta ao sol - o que conferia vivacidade a toda aquela vermelhidão.
Seguindo em frente, deixou longe a imagem de uma menina que na monotonia de sua combinações cromáticas via-se perdida na falta de brilho e contraste da paisagem. Queria sempre mais e esse plus veio tingido de vermelho. 
Pois com suor e sangue registrou seu nome na pia batismal da existência, dando adeus aos grilhões que arrancaram lágrimas e gemidos em noites frias. Como Ícaro, sua direção agora era o sol. Pouco importa o que ou quanto isso vá lhe custar.

sábado, 28 de julho de 2012

Só Por Hoje

Por: Viviane Cabrera



Hoje eu quero colo de mãe,
descanso de rede e água de coco.
Beijinho, brigadeiro, torta de limão.
Orvalho escorrendo pelo meu corpo.
Beleza de uma flor em minhas mãos.
Vontade de voar,
de sonhar e não mais acordar.

Hoje quero cores vivazes
das paisagens mais longínquas.
Copo de tequila.
Taça de vinho chileno.
Caipirinha de sakê.
Ares de liberdade.
Olhar a vida com a mais pura sagacidade.

Hoje quero riso frouxo de criança,
sentimento de vã esperança.
Aprender tudo que puder
e largar mão do que não vale a pena.

Hoje quero a felicidade brilhando nos olhos.
Brisa fresca tocando a face.
Ter o direito de sempre recomeçar
e nunca perder a capacidade de acreditar.

Hoje quero abrir os braços para a existência.
Quero assumir de vez minha essência,
de modo ser somente o que me apetece.
Mil e uma faces de alguém que se permite acordar para a vida
e sempre amanhece.

Quero a noite serena na alma,
estrelas no pensamento,
buraco negro no peito
e levantar poeira cósmica ao meu redor.

Quero sentir que há algo maior
que o que se conhece.
Quero um coração equilibrado,
não esse órgão celerado
que em armadilhas me envolve.
Quero provar sabores diferentes,
saber quais flores combinam com o âmago da gente
e afastar para longe o que nos diminue.

Hoje é o dia em que eu quero ser simples.
Ser tão somente
o que, de repente,
não passa de um eu danado
- que muitas vezes já havia tropeçado -,
mas que ainda assim acredita que não está fracassado.





segunda-feira, 23 de julho de 2012

No Último Andar

Por: Viviane Cabrera







Sentada em sua cama, olhava ao redor. Pensava em procurar onde é que havia se perdido. Mas em meio a bagunça, desfazia-se de si ainda mais. Chegou a ligar a televisão na tentativa de se distrair. No entanto, seu olhar vazio arrastava pensamentos em busca da viabilidade de uma solução.

O coração disparado fazia com que a respiração ficasse ofegante e dificultosa, a ponto de sentir-se sufocada. Sua única doença era os senões a que se apegava para tentar uma conversão no meio do caminho. Talvez fosse ela um carro desgovernado em direção ao precipício, sem freios ou manuais que a trouxessem de volta à trilha que deveria ter seguido.

Entre inspiração e expiração permeavam reflexões convergindo naquele ser tão pequenino que era obrigado a suportar nas costas o peso do mundo. Queria até desvencilhar-se, porém o que era um instante, tornava-se ciclo de repetições sem fim. Mudavam os atores só que o cenário permanecia o mesmo.

Um ópio, um bálsamo! Braços para se aconchegar! lugar onde repousar a cabeça! Qualquer coisa que a tirasse daquela sensação vertiginosa da queda incessante. Foi então que correu à janela e ficou um bom tempo a admirar a paisagem. Fechou os olhos, abriu os braços e ficou ali a deixar que o vento rasgasse seu rosto, congelando muito daquilo tudo que a fazia ferver.

Entregava-se de tal maneira que, quando percebeu, a noite instalou-se explendorosa, serenando o turbilhão que abrigava no peito. Anoitecer é a certeza enluarada de que o dia seguinte surgirá com a solução iluminada do amanhã.

sábado, 21 de julho de 2012

Crônica De Um Tempo Que Parece Não Ser Meu

Por: Viviane Cabrera






Ando cansada das frivolidades a que estamos contantemente expostos. Nossa época de individualidade, isolamento, incomodou o suficiente para que eu venha a soltar o verbo nessas mal digitadas linhas.

A sociedade nos cobra a todo instante uma serenidade falsa, sensatez e que sejamos frios, pragmáticos, produtores e reprodutores. Cansa ter de atender a tantos paradigmas quando na realidade o que se quer é ser só "EU".

Esse eu que não tem dono, um eu rebelde e com vontades próprias está preso entre grades de uma série de conveniências sociais que tentam moldá-lo a um padrão aceitável para que o convívio coletivo seja harmônico.

Nas ruas as pessoas não mais se olham nos olhos. É que o tablet, o i-Phone, o smartphone nos chama ao mundo paralelo da virtualidade. Não escutamos nem dizemos "Bom dia!", pois o volume de nossos fones de ouvido estão altos demais para nos trazer de volta a nossa humanidade. Num tempo em que o face à face foi substituído por facebook e outras redes tão impessoais quanto um veredicto divino, as pessoas (sobre)vivem com um ponto negro no peito.

No entanto, a indústria farmacêutica aproveitou-se do aparecimento dessa sensação de vazio - "mal" do século XXI - pois viu aí uma oportunidade de crescimento. Não se pode mais ter um simples banzo por um tempo sem ser diagnosticada como depressiva(o), além de receber em mãos um monte de receitas de tarjas pretas que suprem frustrações, tristezas, decepções, rejeições. São muitas problematizações de coisas simples.

Buscamos uma solução que não é concreta, substancial aos nossos problemas. Desdenhamos do lúdico e cultuamos uma realidade cinza e sem atrativos. Ora! Sonhar com melhorias para si e para os outros não é besteira nem falta de lucidez.

Aqueles que deixaram sua marca na história o fizeram pois tinham sonhos e os alimentavam com a vontade de concretizá-los e com sua persistência, mesmo diante de pequenas derrotas. Arregaçaram as mangas, foram contra a maré de críticas do tipo "É loucura! Depois não diga que eu não avisei". Mais do que em si mesmo, acreditaram nas possibilidades. Por esses sonhos, choraram, passaram noites sem dormir. Porém, ao final da jornada, colheram os bons frutos da semente por eles plantada: a vitória.

Antigamente era mais fácil ser um sonhador. Hoje, é inaceitável. Tudo deve ser prático, simples e rápido. Sem muito esforço, de preferência. É aí que bate uma nostalgia de tempos que não vivi, mas que os livros trouxeram a meus olhos o conhecimento dos fatos. Quisera eu poder andar no mundo da lua, com pensamentos vagando pelos mais diversos cantos do meu cérebro e os neurônios a tilintar com essa movimentação. Quisera eu ao fim do dia, em minha cama, achar que todo o esforço feito vale a pena. Quisera eu. Quisera...