Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

sábado, 8 de junho de 2013

Cegueira Social


Por: Viviane Cabrera








Os olhos azuis estavam estrategicamente escondidos atrás de um óculos Ray-Ban modelo aviador. O sol irritava suas vistas. Pele alva, mas que com as marcas do tempo já denunciavam a idade: devia ter lá pelos seus sessenta anos. Era uma senhora loira, imponente e de modos refinados.

Estava ela em um bistrô, o qual entrei para beber algo para me refrescar. Mas não quis ficar no balcão. O calor cansa a gente. Aí decidi que o melhor seria ir para uma mesa e descansar. Havia eu e mais dois clientes além da tal mulher. Daí a facilidade que se tinha em ouvir claramente o que cada um dizia. Um rapaz calvo e baixo pedia uma água com gás, gelo e limão enquanto esperava alguém. O outro, um sujeito sisudo e de poucos amigos, bebia um café. Aquela senhora balançava um copo com a mão e tomava água em goles tranquilos. Era quatro da tarde.

O garçom percebeu o tédio nela e resolveu puxar assunto. Comentou do tempo louco de São Paulo. Dos transportes públicos lotados. A senhora empolgou-se e resolveu conversar.

Começou por contar ao rapaz que trabalhou como metroviária, mas que agora estava aposentada. Conhecia de perto as dificuldades desse tipo de transporte. E é aí que iniciou os comentários que chamaram minha atenção.

_ A culpa da superlotação de São Paulo é a procriação indiscriminada desses nordestinos. Precisamos, nós do sul e sudeste, mandar todos eles de volta para a terrinha!

O garçom franziu o cenho com o que ouviu, mas ficou quieto. Notava-se pelo biotipo que ele era nordestino. Talvez os óculos Ray-Ban tivessem impedido a madame de perceber isso - o que a fez continuar com entusiasmo. Ressaltava as palavras arrastando os "erres", com o típico sotaque paulistano. 

_ Veja você. Se o problema no Brasil fosse somente os transportes estaria bom. Mas é tudo, menino! Tudo! Só se ouve dizer que fulano roubou dinheiro público. Antes desse "Nove Dedos" e a turminha dele entrar lá em Brasília, não tinha nada disso. Você ouvia falar de corrupção? Eu não ouvia! Então é porque não tinha. E isso de um presidente semianalfabeto! Deu no que deu. Fica nessa de assistencialismo, distribuindo o dinheiro da gente que trabalha e paga impostos, para essas pessoas que não querem nada com nada e só fazem filho. Vai lá! Vai ver a favela! Tudo vagabundo! Ninguém quer trabalhar porque já recebe "bolsa isso", "bolsa aquilo"... Coisa desses comunistas que estão no poder! Estão acabando com o país. 

O estômago embrulhou. Que tipo de realidade paralela essa pessoa vivia? Como pode uma distorção tão grande da realidade? Eu continuava apostando que a culpa era do Ray-Ban. Escurecia suas vistas a ponto de que ela não enxergasse direito o que se passava. Pedi ao outro garçom - para não atrapalhar a conversa do coitado que emprestou o ouvido à mulher - uma água tônica para desfazer o mal-estar que a sujeita me causou.

_ Acho que favelado não tinha que receber auxílio gás! Porque se estão na favela, foi uma opção deles. Eles optaram por deixar para trás a decência para se viver. Não quiseram viver como bichos na favela! Pois que fiquem sem conforto. Nada de o Governo dar auxílio em dinheiro não! Vai trabalhar, vagabundo! Por isso é que eu prefiro Europa. É outra coisa. O povo é civilizado e não tem nada disso de favela ou mendigo. Logo eu viajo para lá.

Olhei o garçom. Estava incomodado com aquele papo da dona do Ray-Ban. Procurava uma forma de se esquivar. Quis apenas ser gentil e teve seu ouvido transformado em penico. Cansado do discurso elitista e reacionário da leitora da ex-colunista da Folha, Danuza Leão, o moço limitou-se a pedir licença e dizer que precisava voltar ao trabalho.

Tive de me conter para não cair na gargalhada. Quando a loira disse que moradores de favela optaram por viver ali, abrindo mão de uma vida confortável, assinou o atestado de ignorância. Digo ignorância, pois vê-se bem que essa senhora desconhece completamente o país onde mora. E desconhece porque lhe é conveniente ficar assim, sem saber. Do contrário, teria de fazer algo para reverter o que de ruim ocorre. Mas essa não é sua intenção. O que importa é o capítulo da novela, as viagens. O próprio umbigo como prioridade máxima.

Penso que o mundo está repleto de senhoras e senhores de "óculos Ray-Ban". Não enxergam um palmo diante de si. No entanto, sentem-se no direito de "opinar com a opinião dos outros", reproduzindo o que ouviram dizer.

Pensei em me levantar e ir conversar com a tal mulher. Contudo, não existe diálogo com uma pessoa que abraça apaixonadamente a ideologia de que pobre tem mais é que morrer de fome. É o tipo de gente que sofre de complexo do pombo enxadrista. Você chama para um debate. A criatura, acuada por não possuir argumentos contundentes para rebater os do outro lado, parte para a ignorância e ainda se porta com ares de superioridade - como se estivesse certíssima.

Fato é que resolvi deixar essa passar. Pelo menos ali, naquele momento. Alguns dias depois, ouvi o mesmo discurso, só que de alguém diferente. Cheguei a conclusão de que a sociedade está ficando cega e insensível. Só pode.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Somos Todos Estranhos



Por: Viviane Cabrera







Estranha. Era como ele me classificava. Não chegara a verbalizar qualquer coisa a respeito. Apenas analisava friamente. A mim e ao meu jeito desafinado de ser. Digo desafinado, porque às vezes algumas atitudes não harmonizam com o que realmente gostaria de fazer. Culpa da timidez.


Mas o julgamento que fazia dava de ombros para isso. Simplesmente dissecava cada célula viva e o que ia além. Para aquele sujeito, eu era estranha e ponto final. Dava vontade de dizer que minha vida não se resumia aos poucos minutos em que, desajeitada, enroscava-me no emaranhado das situações. Contudo, veio uma voz no ouvido que disse: "Hei! Deixa ele pensar o que quiser. Você sabe quem é. Isso, ninguém te tira". Fiquei um bom tempo refletindo sobre. Era o Amor-Próprio ou a Preguiça - de ter de argumentar -  que tentara comunicação? Difícil saber.

Todavia, querendo ou não, na cabeça dele era eu um tipo indefinível de pessoa que age coreograficamente desengonçada. Irritava ter aquela certeza nas mãos. Carregar a ideia era verdadeiramente um peso. Quem fala que não liga para essas coisas mente. Imagina só! Alguém que não conhece absolutamente nada do que foi vivido, sofrido, batalhado, te julgar! 

Um exemplo. Alguns silêncios são valiosos, pois com eles as poucas palavras ditas em seus intervalos ficam penduradas como pingentes. Tachar a ausência de comunicação de bizarrice é um engano. Não há injustiça maior do que essa.

Afora as considerações que a mente do indivíduo fazia de lá, lembro  cá do verso da famosa música  que  Caetano  cantou: "Narciso acha feio o que não é espelho". Somos todos estranhos uns aos outros. Ainda bem. Pois que seria um tédio tantas pessoas refletindo apenas virtudes. 

terça-feira, 26 de março de 2013

Ecos de Uma Reflexão



Por: Viviane Cabrera





Em uma das visitas à Favela da Linha, no bairro da Vila Leopoldina, aqui em São Paulo, fui conversar com dona Maria Nascimento de Jesus, de 58 anos. Ouvi uma frase que soou como sentença, como um tapa na cara - daqueles que você nem reage, tal a surpresa com que vêm.

Apesar da obviedade do que disse, as reflexões foram tão profundas que me agarrei a elas naquele momento, desviando a atenção da realidade. Por instantes, vi diversos pensamentos navegando em um oceano de águas revoltas. Um turbilhão de sensações passou a me atormentar sem mais nem menos. 

“A vida é feita pra se agoniar”, afirmou dona Maria, estabelecendo essa certeza em uma frase solta dentro de nosso bate-papo de comadres recém-conhecidas. Mal sabia o impacto que teriam suas palavras.

Então, minha cabeça começou a girar em meio a alguns questionamentos. Seria mesmo o sofrimento um mal necessário? Haveria jeito de escapar da loucura desconexa a qual estamos fadados a enfrentar cotidianamente?

Enquanto aquela senhora continuava a contar um pouco mais de sua trajetória, os ditos me enlaçavam apertando fortemente. Comecei a ficar incomodada. Estava perdida em pensamentos, quase sufocada de ansiedade para descobrir a chave do enigma que pousava como uma lâmina sobre minha cabeça. Tive de interromper a conversa. Em uma breve despedida, marcamos nova data para visitá-la a fim de dar seguimento à nossa prosa.

O primeiro lugar silencioso em que pensei em me enfiar foi em uma igreja. “Aqui poderei refletir um pouco, em completa paz e silêncio. Aquele pessoal consegue encontrar conforto nesse tipo de lugar. Por que raios eu não haveria de conseguir?!”, raciocinei. Contudo, parece que ânsias e dúvidas ecoavam, reverberavam naquele local sacrossanto. Não havia ninguém senão eu. 

 Na rua novamente, olhei para o céu e vi que estava para cair a chuva costumeira de final de tarde. Estava sem guarda-chuva, como sempre. Caminhei com as mãos nos bolsos e a cabeça pesada, carregando a confusão toda. 

Com seu jeito simples, dona Maria me mostrou o aspecto cru da existência, que não havia reconhecido até então. Em uma sucessão de repetições, vemo-nos envoltos nos mais diversos problemas. E os resolvemos. No dia seguinte há outro para azucrinar a paciência. 

“A vida é feita pra se agoniar”, ouço ainda aquela mulher sofrida dizer. Não há o que fazer a não ser concordar. Sábio como ela, o poeta, dramaturgo e romancista siciliano Luigi Pirandello escreveu: “Somos todos prisioneiro dos fatos”. E sou obrigada a acrescentar que contra eles, meu bem, ninguém pode. Nem mesmo os argumentos.

Agradeço à dona Maria...

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

À Noite



Por: Viviane Cabrera




O sol se vai
e a noite cai.
Cobre o dia de noite e sai
em busca do que mais atrai.

Vejo o céu e a lua que se esconde
os olhos se perdem sem que algo lhes assombre.
No ar, a esperança de que coisas sonde.
E o coração indaga: ONDE? ONDE?

No silêncio estrelado do breu
a expectativa de revitalizar o que adoeceu,
vai ao encontro de algo seu.
Fusão de duas vidas. Desejo meu.

E a lua esplendorosa e cheia
flutua no céu e nele vagueia.
Revela beleza que incendeia
uma alma que de desilusão às vezes falseia.


Tomando um céu inteiro
a lua plena vem com seu jeito faceiro
dar sua permissão para que o beijoqueiro
toque o mel de meus lábios desejosos de um jeito matreiro.

E quando o sol ao seu posto ameça retornar,
a noite se despede com a promessa de que há de voltar.
Há de trazer de à tona o sonho que guardado vai ficar
para no momento certo maravilhas fazer eclodir, revelar.

Vão-se embora as estrelas brilhantes.
Agora se apagam. Mas logo encantam como dantes
com suas luzes fortes e elegantes
que suscitam sensações mais que relevantes.

Que o dia lave a escuridão
e leve embora o que de resquício ainda oprime o coração.
Que reserve à noite sua volúpia e amplidão,
tornando nulo qualquer vestígio de sofreguidão.




domingo, 17 de fevereiro de 2013

Palavrear



Por: Viviane Cabrera





Jamais tome a palavra em vão.
Ela é ouro, prata. Nunca latão.
Substância máxima de comunicação.
Sem ela somos nada. Somos completa anulação.

Não subestime seu valor.
Ela seduz. Ela é a morte e o amor.
É sublime e rude simultaneamente com ardor.
Tem o poder tanto de união quanto desagregador.

Laçá-la já não se pode,
pois é livre na existência em que eclode.
Deixar fluir palavras é ode
que aos deuses em seus ouvidos o louvor prazerosamente explode.

Palavrear
nada mais é que uma arte milenar
onde se aprende a tumultuar ou acalmar.
É um jeito doce e inconsciente de se expor e amar.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Saia Ao Vento


Por: Viviane Cabrera







Num dia barulhento
a saia em meio ao vento
ondula livre, flutuando no nada,
querendo revelar o que por baixo dela  se guarda.

Vagueia,
como um rabo de sereia
no movimento que reproduz
enquanto olhos alheios observam seu farfalhar, coisa que seduz.

Num rompante,
sobe a saia com um vento matreiro e deselegante,
fazendo a moça ficar enrubescida 
por aquela cena constrangedora que por muitos fora assistida.

Logo volta a colar no corpo,
alisada pela tímida moça que retoma o habitual conforto.
É a saia um pedaço de pano que não se contenta
em ser somente vestimenta.

Ao fim do dia,
despe-se a mulher com displicência e afasia,
jogando a saia no cesto do que deve ser lavado.
Talvez a saia só queira mesmo é no vento mostrar o seu bailado.

Talvez sejamos nós
saias buscando livrar-se da vida atroz.
Talvez queiramos apenas a liberdade
de flutuar na vida e nela mover-se com autenticidade.








domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pulso Pulsar


Por: Viviane Cabrera




Pergunto por ti e o coração responde em vão. 
Insensato coração!
Não sabe que poucos dão valor 
à preciosidade rara do amor?
Acorda, Alice!
Quem foi que disse
que amar traz felicidade?
Traz é a lacuna da saudade,
doendo
batendo
martelando forte no peito,
tirando a gente do eixo de jeito.
E assim vamos vivendo nessa dura realidade.