Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

sábado, 8 de setembro de 2012

O Cigano Maldito

Por: Viviane Cabrera
 
 
 
 
 

Vem a noite com seu manto despertar memórias que deveriam ser esquecidas. Vou de um canto a outro da cama tentando achar maneira de desvencilhar dos grilhões que me ligam às lembranças. São palavras, gestos que ainda fazem meu corpo incendiar.

Todavia, ele está a um oceano de distância. Oceano das lágrimas que me fez derramar e das decepções que me afundavam ainda mais nas águas revoltas dos acontecimentos. Mas aos poucos, fui dando braçadas até chegar em terra firme e notar que de sua parte não havia nada além de deboche. Ele toca as castanholas do desdém, baila e sapateia em meus sentimentos.

Aquela voz clara e suave que acalentava tornou-se rouca e diabólica. Os braços que antes confortavam, agora estão cruzados. E minhas mãos trêmulas e vazias que hoje olho com uma interrogação em mente seguem tateando o caminho que ele destruiu.

O peito com um nó dentro dói cada vez que penso nos dias felizes. Já não existe em mim um coração, pois esse passou por tantas metamorfoses que está desfigurado. Há apenas uma estúpida esperança de que um dia eu acorde em uma manhã de outono e ouça aquela mesma voz ao ouvido, a acalmar os inúmeros anseios e inquietudes que me são característicos.

O sotaque espanhol que embalava meus ouvidos com a melodia de sua voz caminha em direção ao precipício do esquecimento, passando pelas planícies da saudade. E eu, apegada ainda à poeira deixada por seus sapatos na terra batida, sigo a observar o horizonte na expectativa de que alguma nau venha resgatar os destroços que estão espalhados.

A luz do luar desta noite trouxe uma razão plausível para aniquilar tudo o que ainda nos mantinha ligados. Foram para a fogueira alta suas fotos, cartas, presentes, junto com as memórias que a muito custo arranquei de mim. Alimentavam o fogo e davam-me a sensação de liberdade que há tempos não experimentava. Vi com satisfação aquelas coisas todas tornarem-se pó. Fiquei a madrugada toda a olhar a cena. Eram explosões contínuas de felicidade cá dentro.

Ele é maldito, dado que levou boa parte do que era só meu, das ilusões que me eram caras. Contudo, agora as brasas apagam-se definitivamente. Livre, enfim, do laço masoquista com o cigano, sigo pela estrada como cigana também. Quero experimentar aventuras que possam me devolver tudo o que perdi. Quero novos caminhos. E sem atalhos. Eu quero vida.

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