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Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

sábado, 22 de maio de 2010

Eternos Descartáveis

Reciclando conceitos de movimentos artísticos do passado, a indústria cultural acaba por eleger erroneamente objetos cotidianos e outros absurdos como representação inovadora da realidade.
                                                      
                                          Por Viviane Cabrera
                                                 
                                                     

Em tempos idos, um artista tinha de ter por trás de si um mecenas, a Igreja ou o Estado, isso garantia sua visibilidade no mercado bem como seu sustento. Graças a esse tipo de auxílio, grandes nomes como o de Leonardo da Vinci e Michelangelo despontaram para a eternidade. Sorte nossa.


A arte contemporânea, no entanto, caminha segundo a trilha maniqueísta que Umberto Eco definiu nos conceitos de “apocalípticos” e “integrados”. Tentando equilibrar-se na corda bamba das tendências e exigências do cenário nacional e internacional, fazem-se necessários talento, esforço, persistência e muito estudo sobre os vários ismos como um meio de conceber algo que tenha identidade própria. Porém, a batalha entre bem e mal culminou na vitória dos integrados, que submetem o indivíduo a aceitar sem criticidade alguma todos os produtos de cultura de massa que lhe são apresentados.

Entretanto, para despontar como revelação ou manter-se na área, há entraves no sistema que dificultam demais esses objetivos. “Ambas as coisas demandam esforço. Hoje em dia a arte é uma mistura ao bel-prazer de quem a faz. Existem vários padrões de análise para defini-la: composição, harmonia, tema. Mas esses padrões variam muito conforme os gostos e interesses de críticos. Assim, obviamente, existe uma manipulação”, desabafa o artista plástico Vicente Conte, que está na carreira desde os tempos de faculdade, quando se uniu aos colegas de curso e montou um ateliê. A ideia foi criar um espaço de ajuda mútua, dado que não eram apadrinhados nem pertenciam a famílias abastadas.

No pós-modernismo, elencaram-se como fruto de genialidade muitas obras um tanto excêntricas, principalmente a partir da arte por designação – apresentada por Marcel Duchamp na primeira década do século XX em que com seu ready-made expôs um urinol sob o título de Fonte - e da desconstrução da mesma como forma de aproximá-la da realidade cotidiana de cada um. Incomodado pelo presente momento, Luciano Trigo, jornalista e estudioso de artes plásticas, publicou em 2009 o livro A Grande Feira: uma reação ao vale-tudo na arte contemporânea (Editora Record) em que faz uma crítica mordaz às novas formas de mascarar como inovação algo que já foi visto no passado, de maneira original. Utilizando-se de exemplos reais para ilustrar sua afirmação acerca da degradação cultural, mostra como este meio vem perdendo a face apocalíptica que a distinguia da banalidade.

Em entrevista ao programa Almanaque da Globo News (vídeo publicado em 29/11/2009 no portal Globo.com), Luciano apresenta exemplos, comparando a arte com as constantes oscilações do mercado financeiro. Um deles é o caso da obra The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living (A impossibilidade física da morte na mente dos que vivem), de Damien Hirst.

Apesar de levar a fama, Hirst somente idealiza suas obras, mas são seus funcionários que realizam o trabalho de montagem. Tratava-se de um tubarão morto, colocado em um tanque e mergulhado em formol. O artista foi promovido por um agente que, antes de adentrar nesse meio, era publicitário. Tais foram as técnicas para divulgá-lo que o tubarão foi vendido a um empresário britânico pela simples soma de 12 milhões de dólares. Contudo, dois anos após sua aquisição, o terror dos mares começa a se decompor.

Insatisfeito com o pequeno dissabor, o colecionador entra em contato com o artista para que juntos encontrem uma solução. Consenso entre os dois foi a ideia de substituir o animal em estado de putrefação por outro em bom estado. Seria a arte, hoje, tão frágil e efêmera quanto esse tubarão? É essa pergunta que o autor nos deixa a martelar a cabeça.

“Nem toda loucura é genial, nem toda lucidez é velha.”. Essa frase de Chico Buarque de Hollanda ilustra a caixa de pandora que tem se mostrado a contemporaneidade, com a eleição de potes recheados de fezes como representação artística da realidade. Com o panorama atual contaminado, resta-nos apenas aguardar por um futuro mais asséptico.

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