Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Amor de Carnaval

Por: Viviane Cabrera







Carnaval. Lá foi ele para um desses clubes pular à moda antiga com confete e serpentina. Não era à toa sua predileção por essa festividade. Talvez fosse um dos únicos momentos em que podia se dar ao luxo de rir a exaustão, se divertir, mesmo com o relógio ainda a trabalhar como o de costume, marcando compasso. Naqueles poucos dias, permitia-se viver fora da rigidez da rotina que o agrilhoava.

Beber com os amigos jogando conversa fora e sem franzir o cenho com preocupações escondidas em cantos dos pensamentos. Ali era livre. Saltava de pescoço em pescoço feminino que encontrava pelo caminho e não deixava promessas de ligações posteriores. Ficava apenas a lembrança de seus galanteios, cheirando a cigarro barato e cerveja vagabunda.

Anos e anos as mesmas velhas coisas, na mesma época, mesmos lugares, os mesmos amigos, as mesmas cantadinhas toscas mas que lhe rendiam noites prazerosas. Cansou. Nesse dia especificamente, pensou em ficar quieto, observar a folia. 

Hora marcada, lá estava ele. Começou a beber com os amigos e a discutir sobre as falhas no esquema tático da seleção brasileira, assunto de horas. E enquanto todos entretinham-se no debate acalorado, correu o olhar pelo salão. Não existia mundo lá fora. O microcosmo em que estava agora era de uma atmosfera de alegrias regada a uma artificialidade sem fim. 

Risos frouxos ecoavam de maneira macabra e o que antes fazia bem, agora estremecia seu corpo em constantes calafrios. Tudo muito diferente. O rapaz já pensava em se retirar do clube, pois aquelas novidades que talvez sempre estivessem bem debaixo de seu nariz e ele não percebera o incomodavam enormemente. Contudo, seus olhos ficaram magnetizados em um ponto fixo.

Estática, com uma taça de martini na mão direita, estava uma moça. Olhar rutilante, cabisbaixa, fazia ela movimentos circulares com o drink como se isso pudesse misturar a realidade que a atormentava ainda ali, naquele faz de conta, e ver no que ia dar.

Intrigava aquela figura altiva e atraente parada, esperando um sei lá o quê do acaso. Tentou imaginar as diversas hipóteses do que poderia passar naquela alma solitária e esse encontro que ele tinha naquele instante com o desconhecido, o obscuro, o excitava.

Aproximou-se com um martini na mão, que ofereceu a ela, e sentou displicentemente ao seu lado. A mulher era de uma substância que ele não estava acostumado. Era diferente e isso despertava nele uma ansiedade. Depois de meia hora de investidas frustradas, agradeceu a companhia, disse adeus e foi em direção à saída. Queria sair daquele inferno. 

De repente, sentiu que seguravam seu braço. Era ela. 

- Me leva pra longe daqui. Não importa o lugar. 

Foram para um bistrô ali próximo, onde era mais calmo e conseguiriam conversar.

- Por que mudou de ideia? - o homem se contorcia de curiosidade.

- Vi que você é diferente.

- Diferente? Eu? - e riu-se, deixando a cabeça pender para trás - Explica isso que quero entender.

Observou que enquanto esboçava de falar, a moça cutucava nervosamente a cutícula das unhas.

- Você poderia ter escolhido chegar nas outras que estavam mais fáceis, soltas, rodopiando no salão. Veio até mim. Por quê?

Agora era ele que estava nervoso. "Por que eu a quis? Nem eu sei", pensou.

- Acho que ainda estou em vias de descobrir isso. Não sei.

Viu que ela decepcionou-se com a resposta. Não eram as palavras esperadas

- Você tem uma aura misteriosa que atrai. Esse jeito seu, por Deus, fiquei magnetizado! Eu te quero... - descarregou esse tiroteio de sentenças que a fez levantar a cabeça e corar. 

Aquele ser angelical posto diante de si o despertava mesmo isso. Era algo muito súbito, mas tão bonito quanto qualquer outra relíquia do tempo. Quis então desfazer-se em verdades.

- Olha. É a primeira vez que nos vemos e nada sabemos um do outro. Só que... É até estranho dizer uma coisa dessas... Eu quero descobrir o quê e quem é você, dia após dia, por toda a minha vida. Não sou nenhum tarado, psicopata, malfeitor. Apenas sinto que te quero para mim. Hoje e sempre. 

Ela que ouvia atentamente, desatou a chorar. Saíram dali. Foram para um hotel onde ficaram juntos. Quando estavam abraçados, a mulher agradeceu e revelou ser esta a maior demonstração de amor que já recebera, ainda que vinda de um estranho. Ele que estava todo tomado de amor, abraçou-a forte e assim dormiram.

Num rompante, o sujeito acorda pela manhã. A cabeça que dava mais giros que chapéu mexicano sinalizava uma ressaca daquelas. Olhou para o lado, pois queria abraçá-la, beijá-la. Estava sozinho. Levantou-se, correu ao banheiro. Nada dela ali. Ligou na recepção para saber se tinham visto alguém com as características de seu anjo indo embora e soube que ela se fora assim que o sol nasceu, apressada.

Doido de raiva, dava murros nas paredes, na cama. Chorava feito menino. Não se conformava com o fato de ter rasgado o peito, entregue seu coração sem receio. Descortinou-se para ela. Mas não bastou, ao que parece.

Achou um pequeno bilhete colocado no bolso de sua calça em que constava a breve justificativa.

"Tenho medo. Desculpe".

Sem nome, assinatura ou longas explanações. Somente duas malditas frases que inviabilizavam sua felicidade. Para o homem, ver-se apaixonado e entregar-se em vão era uma estupidez da qual jamais se perdoaria. Ligou o rádio e deitou na cama. Ouvia uma marchinha de carnaval e fumava, dando baforadas que emanavam as lembranças do dia anterior.

 VOCÊ
PARTIU DE MADRUGADA
E NÃO ME DISSE NADA.
ISSO NÃO SE FAZ!
ME DEIXOU CHEIO DE SAUDADE
E PAIXÃO.
NÃO ME CONFORMO
COM A SUA INGRATIDÃO.
(CHOREI PORQUE)

AGORA DESFEITO O NOSSO AMOR,
EU VOU CHORAR DE DOR.
NÃO POSSO ESQUECER.
VOU VIVER DISTANTE DOS TEUS OLHOS.
OH! QUERIDA!
NÃO ME DEU
UM ADEUS, POR DESPEDIDA! 

Voltou para casa. Só na quarta-feira de cinzas é que se deu conta. Tudo era perfeito demais para sobreviver na dureza do cotidiano. Pois então, que virasse fantasia de carnaval.

Nenhum comentário:

Postar um comentário