Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

sábado, 29 de dezembro de 2012

Cá Dentro


Por: Viviane Cabrera

Dentro de mim, um mundo de possibilidades
embarreiradas por conveniências e vaidades,
em um universo de situações tresloucadas,
sob um sol de coisas diversas e desvairadas.

Enquanto lá fora tudo necessita de controle,
mergulho em um só gole
do cálice turvo do vinho inebriante
que me mantêm cativa de uma liberdade incessante.

Liberdade essa que tenho de criar,
coisa própria de quem vive a sonhar.
Nesse faz-de-conta, perco-me em pensamentos, 
tropeço em devaneios e momentos.

No entanto, vou em frente pois não sei parar.
A cada passo, sinto o vento nos cabelos e o mar
a me dizer que estou no rumo certo
abandonando tudo o que julgava floresta, mas era deserto.

A existência pode ser leve
e o que ela proporciona é muito breve,
 só que o peso de tudo que implica vida, não.
Esse é o motivo da minha constante aflição.

Quero expandir-me em outras tantas
que já não saberia mais quantas
seria eu em meio a tudo,
revelando-me sob a forma de um amor pela vida crônico e agudo.

Na lágrima que escorre
deixo claro que algo morre.
Profundo, denso. Esse turbilhão cá dentro instalado,
há de ser meu castigo deliberado.







terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Via de Mão Única

Por: Viviane Cabrera





É em datas festivas como o Natal que o coração aperta. Ironia, não? Deveria eu estar alegre, celebrando de alguma maneira o que me sobra. Mas a verdade é que não sei viver de restos. Não me contento com pouco. Quero mais. Quero ele, teimosia que povoa meus anseios.

Consciente de que nem sempre as vontades são passíveis de serem concretizadas, aceito o destino de me manter longe e em silêncio. De nada adiantaria estar por perto e manifestando-me nos mais bonitos e envolventes dizeres se só tem significado para uma única pessoa.

Na quietude, concentro-me na plenitude do indizível. O silêncio cozinha em fogo lento as lembranças do cheiro, do gosto daquele homem, no caldeirão metafísico do querer. Sei bem que esse prato vazio há de ficar como está. No entanto, isso não significa que a fome não está aqui. Fica ela roendo internamente, causando uma melancolia que degusto gota a gota com parcimônia e resignação tibetana.

Aceitando a condição do peito pesado com o sentimento não correspondido, agora a passarela é dolorosa. São tantos os espinhos que os pés afeiçoaram-se à dor da perfuração. O bom é que não me ocupo no ofício de derrubar lágrimas e lamentar por longo tempo. Faço por um período suficiente para desaguar o que ficara represado. Feito isso, o sorriso toma conta do rosto em forma de esperança no futuro que me aguarda.

Talvez seja melhor assim. Como dizia a canção, "O Sol não pode viver perto da Lua" e eu sou soturna, introspectiva, misteriosa demais para alguém que expande raios de vida a todo momento. Por isso, joguei no lixo minhas expectativas de que um dia ele volte o olhar para mim. Segue, homem! Vá de cabeça erguida que a culpa dessa ilusão maldita é minha.



sábado, 22 de dezembro de 2012

O Poeta É Quem Sabe

Por: Viviane Cabrera 




Não quero mais saber de psicólogos, cartomantes, astrólogos, padres, videntes, pastores ou quem quer que seja para discutir questões existenciais. Depois do dia em que desabafei com um amigo poeta, percebi que só um profundo conhecedor da alma humana e das intempéries da vida pode, de fato, jogar luz no ponto certo.

Trata-se de uma pessoa simples que gosta de palavras soltas, libertas para que tenham espaço para significar o que quiserem sem amarras às conveniências, aos relógios tique-taqueando escravidão cotidiana. Iluminado por natureza, possui ele uma sensibilidade acima do normal, um riso de criança guardado no peito e intenso amor por amar. São olhos de lince que se lançam sobre determinado aspecto, pessoa ou objeto, dissecando-os. 

Com uma técnica infalível consegue retirar farpas antigas de feridas abertas e limpá-las com suas lágrimas de compaixão. Em seguida, envolve as chagas com o bálsamo de seus sábios conselhos. 

Sacerdote de uma gaia ciência, sabe fazer com que seus dizeres atinjam a nós - meros mortais - bem como a lua atingiu Drummond em seu Poema de Sete Faces. É que nos coloca comovidos como o diabo, sentindo-se à flor da pele.

Em contrapartida, essa criatura mista de céus e infernos apazigua motins que temos internamente com seus dogmas, axiomas  literários e construções de raciocínios cimentados pelo amor à humanidade que ultrapassa até mesmo seu próprio peito e expande-se no universo. Mais do que simples palavras, o poeta nos toca é com a alma e com a volúpia que o impele a crer na vida.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Banhos de Chuva

Por: Viviane Cabrera






Em tempos de banzo, banhos de chuva são mais do que necessários. São eles que lavam e levam embora toda aquela sujeira acumulada por tanta coisa que vamos encruando por dentro. A abundância de água que jorra abençoa cada centímetro de pele, cada alma que insiste em lutar, cada coração que pulsa de teimoso.

Receber o desaguar das nuvens carregadas é libertador. Isso porque nessas horas você esquece dos inúmeros problemas que te cercam e somente a chuva é que povoa o centro de suas preocupações. Enquanto ela durar, não haverá em sua mente outra coisa senão a bendita. Tudo fica menor diante da amostra de tempestade.

O que mais intriga é a mudança das sensações e sentimentos durante esse processo. Antes, o medo de se molhar. Depois de uma aguaceira daquelas, tanto faz. Você acaba até gostando de ficar embaixo dessa ducha natural. O corpo acostuma e a alma pede mais liberdade de poder viver hidratando o árido que há em nós.

Tomar um banho de chuva - dos bem tomados, mesmo - enchem a pessoa de coragem para enfrentar a barreira que for. Titã que se meta a besta nessas horas! Vai é se dar mal. Talvez essa força venha à tona porque, vinda dos céus, a chuva é uma benção e como tal desperta na gente somente aquilo que nos é tão característico.   

Sei lá. Temos mania de fazer suposições e crer piamente nelas - coisa que atinge em cheio os nervos e estômago de quem é ansioso demais. Penso que o simples às vezes basta para ser feliz, ainda que por instantes. No fim das contas, deixar fluir pingos de acaso em nós não faz mal a ninguém. Então, que chova!




domingo, 9 de dezembro de 2012

A Hora Certa Para Revelar

Por: Viviane Cabrera






Cuido do jardim, mas os pensamentos não deixam de circular na cabeça. Pesa tanto que me fazem pender e andar até curvada. De uns tempos para cá, cheguei inclusive a esvaziar-me. Andava muito cheia de passado. Aí comecei a preencher com novas esperanças. Só que também não deu nada certo. Elas pesam toneladas e arrastavam para os cantos mais obscuros. O perigo disto está em não conseguir sair mais do lugar por causa da enorme carga.

Passeava entre as flores, regando algumas, afofando a terra de outras. Até que em certo ponto, como que criando raízes, detive-me diante de uma em especial. Diferente das demais, era pequena, franzina e sem muita cor. Mas estava ali. E devia haver uma razão plausível para isso.

Enroscada timidamente em um metal que beira à parede, sobe e brinca de enrolar-se nos varais de roupas com seus galhos, folhas lânguidas de um verde musgo brilhante e suas flores - pequeninas bolsinhas brancas que guardam um mistério não revelado - fechadas para esconderem-se do sol. É o jasmim-da-noite. 

Essa mesma flor que se esconde enquanto tantas outras desabrocham formando cascatas de cores que brindam quem vê, liberta sua beleza e inconfundível perfume quando os desatentos não podem dar-se conta disso. Apenas quem realmente interessa e quem gosta é que a enxerga, a sente e a percebe como deve. E talvez seja assim que deva mesmo ser.

Enquanto olho maravilhada o espetáculo que a natureza fornece, paira uma dúvida. Não seria eu um jasmim-da-noite também? 

Hipóteses. Concretas ou abstratas, fazem parte das possibilidades que constam em minha lista. A luz nunca foi meu forte e mostrar as cores para qualquer um perde a graça. O perfume que carrego satisfaz o gosto de muito poucos e não está para ser desperdiçado. Nem paciência para isso tenho. 

De dia, exposta aos olhares alheios, sinto-me fechada, mostrando só o detalhe esverdeado do que está aparente e superficial. Contudo, é ao longe que liberto meu ser para que possa em plenitude expandir em vivências e sentidos mil. 

Quem sabe numa dessas madrugadas, iluminada sob a luz da lua, eu possa ter da reflexão o suficiente para extrair sentença que me caiba. Não preciso de platéia. Afinal, o melhor aplauso é o que damos a nós mesmos em gratidão por ter feito algo de que gostamos.


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

SORRIA


Por: Viviane Cabrera





Viver não é fácil. Impossível também não é. Há que se ter um bom jogo de cintura, paciência de Jó e muito, mas muito sangue frio. O tempo vai passando e a gente começa a ver tudo por outras perspectivas, outros prismas. Só tem uma coisa que não muda nem envelhece: o sonho.

Sonhar é o jeito que o corpo encontrou para tornar substancial o fresco e ávido delírio que guia nossas vontades. Suprimidas por alguma realidade cruel ou não, trazemos encrustadas no peito esperanças de dias melhores. Um sonho é a força motriz do ser humano. É o que move o mundo. Sonhos são belos e possuem aura confortável.

Dizem que a melhor forma de viver é fazendo aquilo que nos dá prazer. No entanto, estamos numa sociedade que continuamente tolhe nossos instintos, vontades e até mesmo os caprichos. Aí então, seguimos recalcados sob a égide de uma frustração. É por essas e outras que as coisas acontecem todas por debaixo dos panos - ou dos lençóis.

Todavia, quando você pensa em jogar tudo pro alto, vem um sorriso daqueles que te ofusca os olhos e faz baixar as armas. Essa é a vida... Entre altos e baixos, vamos aprendendo a nos equilibrar com as poucas e raras armas que temos para enfrentar os obstáculos.

Por isso, menina e menino, mulher e homem, sorria! Não há nada mais potente do que um sorriso cheio de esperança e fé. Sorria para quem te magoou, para quem te feriu. Mesmo que você queira soltar um belo e sonoro palavrão para desafogar. A vida se encarrega de dar o troco. Cabe a você apenas esquecer para poder viver em paz.

domingo, 2 de dezembro de 2012

A Pipa Amarela

Por: Viviane Cabrera






Hoje uma pipa amarela invadiu meu jardim. Perdeu-se ela ali em meio aos arbustos e enrosquei-me em sua rabiola, tentando galgar o céu. É que em pensamentos, fui subindo mais alto do que deveria e quando vi, estava lá entre as nuvens, brincando de voar.

Essa pipa trouxe fagulhas de meninice que cambalhotavam em ideias fixas. Eram elas detentoras das vontades mais pueris possíveis. Sei que repleta de tanta benesse, deixe-me descansar no gramado com os olhos cerrados e um sorriso melífluo nos lábios. Veio então o sol aquecer o corpo branco e sem viço que se perdia em um roupão grosso e desengonçado. 

Logo, a pele bronzeada dava lugar ao inexpressivo que povoava os poros. Mas ainda não era o bastante. Acontece que apesar de tantas cores registradas ali na tela mental, o amarelo daquela peça de brincadeira infantil impregnou na alma. Queria de alguma forma pintar o mundo naquele tom peculiar que me instigava a continuar vivendo. Queria tingir o que pudesse daquela cor que me incitava a odiar o lodo, a escuridão, a tristeza, a melancolia.

Empinei a pipa com os mais puros sentimentos que havia dentro de mim. Tudo aquilo que era luz e caminho de bem em minha alma e coração tornou-se força motriz para fazer a pipa subir tão alto quanto jamais poderia ter ido qualquer foguete. Chegou pertinho do Astro Rei e não podendo de tanta felicidade à altas temperaturas de entusiasmo, desfez-se em um instante mágico.

Acho que sou um pouco Ícaro, um pouco dessa pipa que quer tocar o sol. Tenho tantos sonhos cá dentro, que às vezes julgo ter latente ainda a ingenuidade dos primeiros anos de vida. Contudo, a vida teima em colocar asas de cera em minhas costas para lembrar-me de que não há perfeição nos caminhos da existência. Pisamos espinhos e somos obrigados a acostumar com a dor. Eis que não só não me acostumo a essa tragédia anunciada, mas também me recuso a aceitar que a queda será dolorosa. Pode ser que eu aprenda algo com ela.