Literária sempre. Monótona, jamais.

Devaneios de um protótipo humano na infoesfera.

domingo, 22 de abril de 2012

Nó de Amar

Por Viviane Cabrera





Numa dessas conversas noturnas, escuta a sentença que faz eco em sua alma. "Você se esconde. Não entendo isso!", disse ele. Quase que uma não aceitação de qualquer outra veracidade que não fosse a do homem, a leva a pensar.

Ocultar um pouco de si faz dela uma contradição. Não que assim o quisesse. Mas como todo ser humano, acontece.

Entre sorrisos rebentos e uma melancolia camuflada em seus olhos castanho-amendoados, abre-se ao mundo estando reclusa nela própria. Na impossibilidade é que tudo ocorre. Aí então, numa tímida expansão de ser, distribui gotículas de sua essência em palavras, atos e emoções. Doa-se homeopaticamente, que é para não sofrer decepções. Porém, ainda assim é muito mais pelos outros que por ela mesma.

Contudo, não era o suficiente. Para ele que entrou em contato com o verdadeiro eu que ela permitiu que conhecesse, devia sua menina escancarar incondicionalmente sua maneira humana e deixar de se esconder por medos e receios vindos de um passado que já não existe.

Não existe, todavia assombra. As lembranças perduram na memória e de lá não descolam nem por decreto. Acabam por trazer à alma um jeito soturno. Ela até que tenta desprender-se desses pesos para viver com liberdade e leveza. Mas a lembrança, essa maldita inquilina, ronda.

Sua menina o olha como se dissesse: "Não me peça algo que está além de meus limites". Apesar disso, o coração do homem quer a entrega sem reservas. Poderia o tempo, senhor absoluto de tantas coisas, abrir caminhos de entendimento? Poderia ele compreender todos os mistérios daquela que o fez mover mundos e esperar por sua entrega total?

A certeza reinante é que para o homem, ela é uma extensão dele em muitos âmbitos. Para a mulher, ele se configura um caleidoscópio de coisas. É um sábio que observa suas fases lunares e decifra sua função poética, maestro que a acompanha na melodia do destino, santo que a batiza nas águas do acaso com suas máximas e o homem que a envolve por um olhar, eternizando o laço dos dois.

No mais, estão um pelo outro. Escondendo-se ou não, são um nó apertado de amor.




domingo, 1 de abril de 2012

Uma Macabéa Real

Por Viviane Cabrera




Desconcertada. Olhar esquivado aos outros. Como um pedido de desculpas por estar ali. Cabeça torta pro chão, ensaiava lágrimas quase petrificadas por dentro e que jamais aflorariam. Não tinha tempo para isso.  A vida a carregava aos solavancos, sem chance de decidir. Tudo que fizera até então, fora involuntário. Contra a vontade.

Na lotação do trem, espremia-se cada vez mais para que coubessem mais pessoas naquele pequenino espaço apertado. A samaritana preferia punir-se com o contorcionismo a ocupar seu lugar de direito.

Por essa razão havia abdicado de muita coisa. Não se achava merecedora. Lembrava sempre de um tio que dizia que só quem sofre aqui terá o céu mais tarde. Por isso a penitência. Por isso a resignação.

O rosto sulcado pelo tempo parecia dizer algo além de sabedoria. Chegava na esfera de mártires. Suas mãos cansadas  evitavam qualquer esboço de movimentos por si, mas por outros até arriscaria. No entanto, quem essa alma salvaria, afinal?

Era essa a pergunta que me fazia diante de tal figura. Quase um "decifra-me ou devoro-te" que atormentava minha observação. Por um infortúnio, desci do trem antes dela. Voltei-me para, mais uma vez, sugar o que ela parecia querer passar. Em vão. 

Agora sentada, fechou os olhos cheios de cansaço e punha-se a sonhar. Foi então, que fiquei satisfeita. Não porque a deixava a mercê da própria sorte, mas sim pelo fato de que ela executava justamente a tarefa que julguei ser impossível. Aquela mulher  também se dava ao desfrute de sonhar.